Comer bem ainda é um privilégio: o custo invisível da alimentação saudável no Brasil e no mundo – Noticiário 24H
Saber o que é uma alimentação saudável parece simples. Basta pensar em um prato colorido, com frutas, legumes, verduras, grãos integrais e proteínas leves — principalmente vegetais. A fórmula já está dada: fugir dos ultraprocessados, reduzir o açúcar e as gorduras saturadas, e priorizar alimentos minimamente processados. Mas, na prática, seguir essa receita tem se tornado um desafio que ultrapassa a força de vontade: pesa no bolso.
De acordo com estimativas recentes, mais de 2,8 bilhões de pessoas em todo o mundo não conseguem pagar por uma dieta considerada saudável. Isso representa mais de um terço da população global. E, apesar de todos os discursos sobre escolhas individuais, a realidade econômica impõe barreiras difíceis de transpor.
Quando o problema não é saber, mas pagar
A FAO, em conjunto com outras agências da ONU, vem monitorando o custo de uma dieta saudável por meio do CoHD (sigla em inglês para Custo de uma Dieta Saudável). Em 2022, o valor médio diário global dessa dieta atingiu US$ 3,96 (em PPC). Para quem vive abaixo da linha da pobreza extrema — estabelecida em US$ 2,15 por dia —, essa alimentação é inatingível.
Na América Latina, a situação é ainda mais preocupante: o CoHD médio foi de US$ 4,56, o mais alto entre todas as regiões analisadas. O dado escancara o abismo entre as recomendações nutricionais e a realidade das famílias.
Ainda que o número de pessoas incapazes de arcar com esse custo tenha caído ligeiramente desde 2020, a melhora é desigual. Nos países de baixa renda, o problema não só persiste como cresce. Apenas em 2022, mais de 500 milhões de pessoas nessas regiões não puderam pagar por uma alimentação adequada — o maior número desde o início da série histórica.
O paradoxo brasileiro
No Brasil, um estudo conduzido pelo Instituto Pacto Contra a Fome e pela UERJ revelou que, em abril de 2025, uma dieta saudável custava cerca de R$ 432 por pessoa, segundo os critérios da cesta NEBIN, composta majoritariamente por alimentos in natura. Considerando que o rendimento médio per capita do brasileiro está em R$ 2.020, isso representa 21% do orçamento mensal de uma pessoa — uma fatia considerável.
Mais preocupante ainda é saber que mais de 21 milhões de brasileiros possuem renda inferior ao valor da cesta. E que mais de 30% da população teria que comprometer mais da metade do seu rendimento mensal apenas para se alimentar de forma saudável.
Mesmo diante de certa estabilização dos preços em junho, quando a cesta caiu para R$ 423, o dado revela mais uma fragilidade estrutural do país: em momentos de crise, a alimentação adequada é a primeira a ser sacrificada.
Alimentos saudáveis são luxo?
É tentador imaginar que comer bem seja uma questão de escolha. Mas os dados mostram que, entre os mais pobres, alimentos como arroz e feijão ainda são considerados bens sensíveis ao aumento de renda — ou seja, quando sobra um pouco mais, come-se um pouco melhor. Por outro lado, frutas, hortaliças, laticínios e pescados são inacessíveis para muitas famílias e só entram no carrinho quando há uma folga orçamentária.
A equação é cruel: quanto mais saudável o alimento, maior o impacto no bolso de quem menos pode pagar.
O custo da omissão
Ainda que relatórios e pesquisas estejam disponíveis, falta ação concreta para mudar esse cenário. O Brasil conta com diretrizes alimentares reconhecidas internacionalmente, mas esbarra em políticas públicas frágeis e em uma rede de distribuição de alimentos que penaliza as regiões mais vulneráveis.
E o mundo? Permanece debatendo metas e padrões alimentares globais, enquanto milhões seguem sem acesso sequer ao básico.
A realidade é dura, mas precisa ser dita: comer bem, no Brasil e no mundo, ainda é um privilégio. A boa notícia? Isso pode ser diferente. Mas só será, quando políticas alimentares deixarem de ser discurso e se tornarem prioridade.
Fontes
- FAO – The State of Food Security and Nutrition in the World: 2024
- Nature Food – The Healthy Diet Basket is a valid global standard that highlights lack of access to healthy and sustainable diets
- Revista de Saúde Pública – Custo de uma alimentação saudável e culturalmente aceitável no Brasil em 2009 e 2018
- Instituto Pacto Contra a Fome e UERJ – Boletim Mensal: Monitoramento da Inflação dos Alimentos no Brasil — Maio de 2025
- IBGE – Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017–2018