Banco Central adota tom de cautela diante do tarifaço imposto pelos EUA e inflação persistente – Noticiário 24H
O recente aumento tarifário anunciado pelo governo dos Estados Unidos contra produtos brasileiros está longe de ser uma tempestade passageira. Segundo a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta terça-feira (6), o Banco Central reconhece que os efeitos do chamado “tarifaço de Trump” ainda são incertos em escala macroeconômica, mas já provocam impactos relevantes em setores específicos da economia brasileira.
A autoridade monetária manteve a taxa Selic em 15% ao ano — o nível mais alto das últimas duas décadas — e reforçou que o cenário internacional se tornou mais volátil, exigindo maior prudência nas decisões de política monetária.
Apesar das exceções incluídas na medida americana — que poupam setores como o aeronáutico, energético e parte do agronegócio — o governo brasileiro estima que até 10 mil empresas podem ser afetadas, com risco direto sobre empregos e competitividade. Juntas, essas empresas representam 3,2 milhões de postos de trabalho.
Alta de juros deve durar mais
Segundo o Copom, o cenário inflacionário continua desafiador. As projeções de inflação seguem acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para os próximos anos, o que, na visão do BC, justifica manter os juros elevados por um período prolongado.
“A economia tem demonstrado sinais de moderação no crescimento, o que é necessário para abrir espaço no chamado ‘hiato do produto’ e facilitar a convergência da inflação à meta”, avalia a ata.
Mesmo com a desaceleração econômica já em curso, o Banco Central afirma que o Brasil ainda opera acima do seu potencial de crescimento sem gerar inflação. Isso significa que, na leitura da autoridade, ainda há pressão de demanda suficiente para manter os preços elevados.
Dólar, risco fiscal e crédito em retração
Outro ponto de atenção é o impacto cambial do tarifaço. Embora o real tenha resistido a movimentos bruscos nas últimas semanas, analistas alertam para o risco de valorização do dólar, o que pode pressionar ainda mais os preços dos bens importados e afetar a inflação.
No sistema de metas contínuas adotado pelo BC, a inflação deve oscilar entre 1,5% e 4,5%, com o centro em 3%. As projeções atuais, no entanto, indicam que o IPCA ficará acima desse teto ao longo de 2025 — o que já levou o Banco Central a publicar uma carta justificando o descumprimento da meta no primeiro semestre do ano.
Enquanto isso, o mercado de crédito sinaliza desaceleração. A inadimplência subiu, as concessões de empréstimos caíram, e o comprometimento da renda familiar com dívidas se agravou, principalmente entre as pessoas físicas.
Mercado de trabalho aquecido e risco fiscal persistente
Por outro lado, o mercado de trabalho permanece aquecido. Com a taxa de desemprego em níveis historicamente baixos e ganhos salariais reais superando a produtividade, o consumo segue sustentado. Esse fator pode, paradoxalmente, contribuir para manter a inflação resistente, ao menos no curto prazo.
A política fiscal também foi citada como um fator de risco. O BC voltou a alertar que o aumento de gastos públicos e a ausência de reformas estruturais elevam a percepção de risco sobre a sustentabilidade da dívida pública, o que pode forçar um novo aperto monetário no futuro.
Para o Comitê, uma política fiscal responsável — com controle de despesas e reformas que fortaleçam a credibilidade do Estado — seria fundamental para reduzir o “prêmio de risco” embutido nos juros de longo prazo.
Próximos passos: cenário exige vigilância
Na avaliação final, o Copom adotou um discurso firme: os juros continuarão elevados até que haja sinais claros de descompressão inflacionária. Caso contrário, o Banco Central “não hesitará” em voltar a subir a Selic.
Com a guerra comercial em curso e a inflação ainda longe da meta, o Brasil entra no segundo semestre de 2025 em uma encruzilhada. A resposta à crise tarifária dependerá não apenas de negociações diplomáticas com os Estados Unidos, mas também da habilidade doméstica em lidar com os desafios fiscais, sociais e inflacionários que seguem pressionando a economia.