Carlota Joaquina volta aos cinemas: uma sátira que diverte, mas não escapa do viés ideológico – Noticiário 24H

Quase 30 anos após seu lançamento, o filme Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995) retorna às telonas no dia 14 de agosto com pompa e nostalgia. Celebrado por críticos e elencos como “marco da retomada do cinema nacional”, o longa dirigido por Carla Camurati é lembrado por seu tom irreverente, estética chanchadesca e, claro, pela crítica mordaz à monarquia portuguesa e à gênese da sociedade brasileira. Mas nem tudo são pitombas doces no legado da obra.

Embora os depoimentos do elenco – que inclui nomes como Marieta Severo, Marco Nanini e Marcos Palmeira – sejam cheios de memórias divertidas e emoção legítima, o conteúdo do filme carrega o mesmo DNA enviesado de muitas produções nacionais: rir do poder enquanto o Estado continua sendo o único a ser levado a sério.

📜 História ou teatro ideológico?

Enquanto o filme apresenta uma sátira sobre a vinda da corte portuguesa ao Brasil, a liberdade criativa é usada como desculpa para reforçar narrativas já bem conhecidas e, muitas vezes, simplificadas: o atraso do país é culpa da elite retrógrada, dos reis bufões e de figuras históricas caricatas. A crítica é sempre ao poder do passado – nunca ao atual. No Brasil do cinema, Dom João é burro, mas os burocratas modernos são sábios.

Marieta Severo elogia o “olhar infantil” da narrativa e a “liberdade criativa” como virtudes, o que não deixa de ser curioso vindo de uma classe artística que, em geral, só exercita tal liberdade quando se trata de criticar o passado – jamais o presente, especialmente se este se alinha com suas convicções políticas.

🎭 Criação artística ou repetição conformista?

Marco Nanini e Marcos Palmeira exaltam a “liberdade criativa” do projeto, como se não houvesse uma linha dominante que define o que pode ou não pode ser retratado na indústria cinematográfica nacional. Carlota Joaquina pode ser ridicularizada, mas duvido que vejamos algo semelhante feito com ícones ideológicos modernos. A irreverência tem limites claros – e convenientes.

🏛️ Subsídio estatal, mas crítica ao poder?

O filme, como tantos outros na “Retomada” do cinema brasileiro, não escapou do financiamento estatal. Há algo de paradoxal em zombar da corte portuguesa com recursos do novo “rei”: o Estado moderno que banca, censura e premia conforme a conveniência. O setor cultural, que se orgulha de ser rebelde, muitas vezes age como vassalo do poder público.

👑 Uma crítica que envelheceu?

Apesar da boa atuação e da inventividade estética, o tempo mostrou que Carlota Joaquina serviu muito mais para validar a ideia de que o Brasil é vítima eterna de sua própria história – e que apenas uma elite cultural esclarecida pode conduzi-lo ao progresso. Uma tese confortável… para quem faz parte dessa elite.

Se o cinema nacional realmente deseja evoluir, precisa sair da redoma ideológica, diversificar seus temas, aceitar o dissenso e permitir que a sátira – tão celebrada nesse filme – também se volte para o presente e seus ídolos de barro.