Códigos de socorro: mulheres recorrem à criatividade para fugir da violência que o Estado promete combater, mas não previne – Noticiário 24H

Em um país onde a proteção estatal muitas vezes só chega quando é tarde demais, duas mulheres provaram que a criatividade — não o governo — é o que realmente pode salvar vidas. Em Campo Grande (MS) e Vitória da Conquista (BA), vítimas de violência doméstica conseguiram acionar a polícia usando palavras codificadas como pedidos de socorro. Um sinal claro de que, para escapar da agressão, é preciso improvisar.

Dipirona e pizza: quando uma ligação vale mais que uma medida protetiva

O caso mais recente aconteceu em Mato Grosso do Sul. A mulher ligou para o 190 pedindo “dipirona”. Um policial, atento ao tom da chamada, passou a fazer perguntas indiretas, conseguindo entender o contexto e identificar o agressor. Ela foi localizada sem ferimentos graves e o homem foi preso. Dias depois, a vítima ligou novamente, dessa vez para agradecer — uma atitude rara e poderosa diante do silêncio que normalmente marca esses episódios.

Já na Bahia, a estratégia foi pedir uma “pizza”. A mulher, ameaçada pelo ex-companheiro, usou o código para simular uma ligação trivial. A equipe da 78ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM) percebeu o padrão e agiu rapidamente. Ao chegar no local, encontrou a vítima e prendeu o agressor, que chegou a resistir e precisou ser contido com balas de borracha.

A liberdade de se proteger quando o sistema falha

Esses casos levantam uma pergunta incômoda: por que mulheres precisam recorrer a códigos secretos para pedir ajuda? O Estado, que se apresenta como protetor, muitas vezes não consegue cumprir o básico garantir segurança dentro da própria casa. As famosas “medidas protetivas” servem mais como papel timbrado do que como escudo real.

Em um sistema onde o agressor só é contido depois que a violência já aconteceu, mulheres se veem obrigadas a virar estrategistas de guerra urbana. Enquanto isso, autoridades investem bilhões em campanhas publicitárias e discursos, mas não em soluções descentralizadas, como apps independentes, botões de pânico acessíveis ou protocolos públicos que funcionem fora da burocracia.

O que esses casos mostram?

  • Que a inteligência individual e comunitária está muitas vezes à frente do Estado;
  • Que violência doméstica continua sendo tratada de forma reativa, e não preventiva;
  • Que a liberdade de autodefesa ainda é tabu no Brasil, mesmo quando se prova indispensável.

O que salvou essas mulheres não foi uma política pública eficiente, mas criatividade e coragem para burlar o sistema.