Data centers de IA no Brasil: consumo de energia alarmante e despreparo da matriz elétrica – Noticiário 24H
Enquanto o governo e o setor de tecnologia celebram a chegada de grandes data centers de inteligência artificial ao Brasil como um salto para o futuro, um olhar mais atento sobre o consumo energético desses colossos digitais revela um futuro sombrio e insustentável para a nossa já combalida matriz elétrica. A projeção de que apenas os quatro primeiros complexos de IA poderão consumir energia equivalente a 16,4 milhões de residências expõe a irresponsabilidade de um desenvolvimento tecnológico desenfreado e a falta de planejamento estratégico do país.
Os números anunciados pelas empresas responsáveis pelos projetos no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais são alarmantes. A Elea Data Centers, com seu “Rio AI City”, poderá sugar da rede o equivalente ao consumo de 6 milhões de casas, com potencial de dobrar essa demanda. A Scala AI City, no interior gaúcho, não fica atrás, com uma previsão inicial de 7,2 milhões de lares em termos de consumo. E os projetos da RT-One em Maringá e Uberlândia adicionam mais 3,2 milhões de residências à conta.
Para colocar essa voracidade energética em perspectiva, o Brasil, com seus frequentes apagões e uma matriz ainda dependente de fontes hídricas vulneráveis às mudanças climáticas, sequer consegue atender de forma estável a demanda residencial e industrial existente. Jogar no mix consumidores de energia com o apetite insaciável dos data centers de IA é receita certa para o caos.
É crucial lembrar que, enquanto um data center convencional de 20 megawatts impacta o consumo de aproximadamente 80 mil casas, os centros de IA operam em uma escala exponencialmente maior. A justificativa para essa monstruosidade energética reside na necessidade de alimentar os supercomputadores que treinam modelos como o ChatGPT. No entanto, a questão central é: o Brasil pode arcar com essa sede de energia sem comprometer o abastecimento básico da população e sem acelerar ainda mais a degradação ambiental?
Os especialistas ouvidos pela reportagem alertam para a falta de transparência e de estudos aprofundados sobre o real impacto desses projetos. Elaine Santos, pesquisadora do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) em Portugal, ressalta a impossibilidade de avaliar o impacto sem dados detalhados de cada data center e da região onde será instalado, incluindo a questão da escassez hídrica para refrigeração, outro ponto crítico. A RT-One sequer cogita retirar água do Aquífero Guarani, uma das maiores reservas subterrâneas do mundo, para resfriar seus equipamentos, com a promessa ingênua de “baixo impacto ambiental”.
A comparação com o consumo de água para treinar modelos de IA, levantada por um estudo da Universidade da Califórnia, apenas agrava o quadro. São centenas de milhares de litros de água “evaporados” no processo, um luxo que um país com crescentes problemas de recursos hídricos não pode se permitir.
A busca desenfreada pelo “progresso” tecnológico, sem considerar a infraestrutura e as consequências ambientais, é uma marca registrada de um certo modelo de desenvolvimento predatório. O Brasil corre o risco de se tornar um hospedeiro de fábricas de inteligência artificial que consomem recursos preciosos e sobrecarregam um sistema energético já no limite, tudo em nome de uma modernidade que, para a maioria da população, pode significar apenas mais instabilidade e apagões. A conta dessa “inovação” será paga por todos nós.