Governo propõe ‘perdão’ de dívidas de planos de saúde em troca de atendimentos no SUS; especialistas questionam modelo; entenda – Noticiário 24H

O Ministério da Saúde anunciou uma nova engenharia financeira que permitirá que pacientes do SUS sejam atendidos na rede privada. A proposta, vendida como uma solução inovadora para reduzir as filas, consiste em permitir que as operadoras de planos de saúde quitem suas dívidas bilionárias com o governo oferecendo consultas e cirurgias. A medida, embora celebrada por integrantes do governo e pelo setor, levanta sérios questionamentos sobre seus efeitos práticos e o uso do dinheiro público.

A dívida em questão se origina quando usuários de planos de saúde utilizam o SUS, e as operadoras, por lei, deveriam ressarcir os cofres públicos, o que frequentemente não ocorre. A nova portaria, assinada pelo Ministério da Saúde e pela Advocacia-Geral da União (AGU), cria um mecanismo para que essa dívida, em vez de ser paga em dinheiro, seja convertida em serviços. O governo estima um abatimento inicial de R$ 750 milhões.

Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, é a “primeira vez na história do SUS” que tal mecanismo é implementado, transformando dívidas em “ações concretas”. A iniciativa priorizará áreas com grandes gargalos, como oncologia, oftalmologia e ortopedia.

No entanto, a proposta pode ser vista sob uma ótica mais cética. Em vez de exigir o pagamento da dívida em dinheiro — recurso que poderia ser alocado com base nas prioridades técnicas e orçamentárias do SUS, como a compra de equipamentos ou a construção de hospitais —, o governo opta por um modelo de “escambo”. Nesse sistema, o Estado abre mão do controle sobre o recurso financeiro e passa a consumir os serviços que as operadoras decidem ofertar em uma “prateleira de atendimentos”.

Críticos do modelo apontam para um risco de que a medida funcione como um perdão disfarçado de dívidas, beneficiando grandes conglomerados da saúde suplementar. Ao converter uma obrigação financeira líquida em prestação de serviços — cujos custos e valores são mais difíceis de auditar —, abre-se margem para que o valor real do atendimento prestado não corresponda ao montante da dívida perdoada.

Outro ponto de preocupação é o potencial impacto sobre os próprios usuários de planos de saúde. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) garante que os beneficiários não serão prejudicados, mas a realidade pode ser mais complexa. Ao direcionar parte de sua capacidade instalada para atender a demanda reprimida do SUS, é plausível que a rede privada fique ainda mais sobrecarregada, aumentando o tempo de espera também para quem paga mensalidades.

A iniciativa, embora bem-intencionada em sua meta de reduzir filas, representa uma complexa transferência de responsabilidades. O Estado, ao invés de fortalecer sua própria rede com os recursos recuperados das dívidas, opta por terceirizar o atendimento, aprofundando a dependência do sistema público em relação à estrutura privada e beneficiando, no processo, as mesmas empresas que eram, originalmente, devedoras do erário.